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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Retrato de escritor - João Cabral de Melo Neto

Insolúvel: na água quente e na fria;
nas de furar a pedra ou nas langues;
nas águas lavadeiras; até nos alcoóis
que dissolvem o desdém mais diamante.
Insolúvel: por muito o dissolvente;
igual, nas gotas dum pranto ao lado,
e nas águas do banho que o submerge,
em beatitude, e de que emerge ingasto.

Solúvel: em toda tinta de escrever,
o mais simples de seus dissolventes;
primeiramente, na da caneta-tinteiro
com que ele se escreve dele, sempre
(manuscrito, até em carta se abranda,
em pedra-sabão, seu diamante primo);
solúvel, mais tarde ele se passa a limpo
o que ele se escreveu da dor indonésia
lida no Rio, num telegrama do Egito
(datiloscrito, já se acaramela muito
seu diamante em pessoa, pré-escrito).

Solúvel, todo: na tinta, embora sólida,
da rotativa, manando seu auto-escrito
(impresso, e tanto em livro-cisterna
ou jornal-rio, seu diamante é líquido).

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