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quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Entrevista de Jana Lauxen com o escritor Paulo Ouricuri Autor das obras A confissão e outros contos cariocas e Da eloquência das lápides e outros poemas

1. Para iniciar nossa conversa, peço que o leitor Paulo Ouricuri descreva em cinco palavras o escritor Paulo Ouricuri?
Desculpe-me, o leitor vê que o escritor está evoluindo ainda. Pulo a primeira pergunta. 2. Cinco anos após publicar seu primeiro livro, A Triste História do Índio Juca (Editora Biblioteca 24horas), você está lançando simultaneamente seu quarto e quinto livro, A confissão e outros contos cariocas e Da eloquência das lápides e outros poemas (Editora Novo Século). Quais as principais diferenças entre o escritor Paulo Ouricuri de 2011 e o escritor Paulo Ouricuri de 2016? Basicamente maturidade. Estou também mais consciente das minhas limitações e vícios a combater. Percebo com mais nitidez o que devo melhorar embora, em literatura, seja espinhoso estabelecer com segurança uma fronteira entre o certo e o errado. Constatei que a disciplina é muito mais importante do que a inspiração. Além disto, sinto mais prazer em escrever, o que me excita a continuar escrevendo. No entanto, meu próximo livro terá uma gestação mais longa. Será um romance. Preciso planejar bem o seu enredo, e reescrevê-lo quantas vezes for necessário para que atenda às minhas atuais expectativas. Pretendo terminá-lo até o ano de 2.020. 3. Após quatro livros de poesia, você lança A confissão e outros contos cariocas, seu primeiro livro de contos. Por que você optou por se aventurar em um novo gênero literário, e como foi o processo de criação dos oito contos reunidos na obra? Escrevo porque gosto de escrever. Não sei aonde a carreira de escritor irá me levar, isso é o que menos importa. Mas pretendo continuar escrevendo. Quanto à pergunta, vejo o processo de criação de poemas como sendo análogo ao de fotografar impressões variadas. Nos meus livros, há poemas antagônicos entre si. É um sinal de incongruência, por certo, mas representa também que, quando fazia determinado poema, estava tentando expressar uma impressão momentânea, que não necessariamente reflete o que penso. Mas o salto da poesia para a prosa surgiu porque resolvi contar estórias. Este é o motivo do meu novo atrevimento literário. Quanto aos contos, primeiro elaborei um breve roteiro de cada um deles. Depois, fui acrescentando detalhes ao roteiro de cada qual. Após certo tempo, comecei a elaborar conto a conto, tendo como base os roteiros feitos. Escrevi e reescrevi os contos várias vezes. Durante a elaboração dos contos, li ainda contos de Machado de Assis, Horácio Quiroga, Tchekhov, Eça de Queiroz, Monteiro Lobato, Ernest Hemingway, e mais um ou outro autor. Em síntese, este foi o processo de criação dos oito contos reunidos nas obras. 4. Segundo pesquisas do Ibope, o brasileiro lê, em média, 2.1 livros por ano. 70% não leu sequer um livro em 2014. 75% nunca frequentou uma biblioteca. Na sua visão, qual é o papel do escritor neste cenário aparentemente desolador? O papel do escritor é o de escrever obras que cativem o leitor. Particularmente, acho importante que se façam obras que dialoguem com a atualidade e seus dilemas. O nosso tempo precisa legar o seu registro na literatura. Sei que deixaremos filmes, músicas, toneladas de programas de televisão, mas livros têm importância peculiar. Eles penetram na intimidade da consciência humana. Nós, nascidos no fim do século XX e que vivemos no início do século XXI, precisamos contar às próximas gerações como fomos afetados pelas drásticas mudanças tecnológicas. A máquina de escrever morreu, várias tecnologias invadiram nosso cotidiano, assistimos ao sepultamento dos jornais impressos. Hoje, dez minutos tornam uma notícia velha. A internet devassa vidas privadas, nos aproxima de quem está longe, e nos afasta de quem está perto. Os emoticons são o inesperado alfabeto do esperanto que vingou. Qualquer acontecimento socialmente relevante automaticamente gera memes, hashtags e postagens em redes sociais que nos coagem a, de forma precipitada e irrefletida, aderir a certos posicionamentos. Penso que uma das vítimas da modernidade é a reflexão. A reflexão requer coragem e paciência. Coragem para eventualmente discordar do mainstream, ou de grupos ou pessoas influentes ou queridas (mesmo que você não externe sua opinião). Paciência para estudar e desbravar calmamente, dentro da selva de informações que nos chega, o que é verdadeiro, o que é relevante, o que é justo. Neste ambiente moderno, a literatura sofre concorrência feroz. Vivemos no mundo das informações rápidas e breves. Temos o Twitter, Facebook, Whatsapp, e outras redes sociais que primam pela velocidade e brevidade. Creio que isto estimule a preguiça intelectual. Assim, considerando os muitos estímulos que recebemos das mídias sociais, atualmente é mais difícil perseverar e manter a concentração intelectual necessária para se concluir a leitura de um bom livro. 5. Seguindo este raciocínio, sabemos que as editoras brasileiras recebem mais originais do que são capazes de vender livros. Não é raro uma editora receber 40 originais em uma semana e, neste mesmo espaço de tempo, não vender ao menos um livro. Vivemos em um país com mais escritores do que leitores, Paulo? Não acredito. Acredito que temos autores que leem pouco. Neste ponto, penso também que parte do problema reside no fato de que a internet dissemina muitas obras gratuitamente. Isto é bom por um lado (digo quando as obras já caíram em domínio público), mas por outro lado prejudica as editoras e os autores (até mesmo pela pirataria digital), o que é muito ruim. 6. É certo dizer que todo escritor se inspira muito na vida, no dia a dia, no cotidiano, para escrever. Gostaria de saber quanto há de você, e das pessoas que lhe rodeiam, em suas obras? Gustave Flaubert, quando foi processado por atentado à moral pública por escrever o livro “Madame Bovary”, foi indagado pelos juízes acerca da verdadeira identidade de Emma Bovary (a adúltera protagonista do romance). Sua resposta foi: “Madame Bovary sou eu”. Por outro lado, Cecília Meireles diz num poema que: “a vida só é possível/ reinventada”. Em suma, me inspiro no que vejo, no que sou e no que leio para escrever.
As obras nascem da imaginação, que por sua vez recria a realidade misturando a biografia do escritor com a bibliografia que o influenciou.
O que sou está em cada personagem que escrevi, protagonistas, coadjuvantes ou vilões. Plagiando Flaubert, digo que sou todos os personagens que fiz, em maior ou menor medida. Inspirando-me em Cecília Meireles, afirmo que inventei, em maior ou menor grau, todos os episódios que estão nos meus contos. Enfim, os contos do livro são fictícios, nasceram do ventre da minha imaginação. No DNA de cada conto estão presentes reflexões e percepções próprias derivadas da minha vida, das vidas de pessoas com quem convivi ou de outras vidas que conheci através de livros, revistas, jornais, etc,. 7. Houve um tempo em que os escritores trabalhavam nos bastidores. Seu papel era, basicamente, escrever, enviar o livro para a editora e, a partir daí, deixar a editora fazer o restante do trabalho (edição, lançamento, divulgação, distribuição, etc.). Atualmente este cenário mudou, e cada vez mais vemos escritores participando ativamente de todo o processo editorial de sua obra, atuando na edição, na revisão, no projeto gráfico, na divulgação e distribuição. Não seria errado dizer que o autor, muitas vezes, trabalha também como editor, realizando as funções que antes eram apenas da editora. Em sua opinião, o envolvimento do escritor com o processo editorial de sua obra é positivo para o escritor, ou serve somente para sobrecarregá-lo? Sobrecarrega. Porém, é muito importante. Participar da revisão do livro dá ao escritor maior controle sobre a versão final. E ainda, analisando as ponderações do editor, constatamos algumas deficiências nos originais, alguns pontos que não ficaram suficientemente claros, outros desnecessários. Acho muito importante e enriquecedora a interação entre editor e escritor. 8. É comum, nos dias atuais, os escritores aproximarem-se efetivamente de seus leitores e possíveis leitores, através das redes sociais, de feiras literárias, visitando escolas e realizando atividades em campo. Os escritores estão saindo de seus escritórios, da frente de seus computadores, e indo ao encontro do leitor. Na sua visão, o convívio direto entre leitor e escritor é benéfico para o escritor? Sim. É muito gratificante ver que outras pessoas apreciam o que escrevemos, e saber quais foram as impressões delas sobre nossas obras. Às vezes, algumas percepções coincidem com o que tínhamos em mente. Outras vezes, não. Já vi alguns leitores citarem autores que nunca li, como se eu tivesse me inspirado neles. É muito interessante. Recentemente, inaugurei uma página de escritor na internet, onde publico alguns poemas de gaveta e outros rascunhos literários. Desta forma, me aproximo do público mesmo sem estar fisicamente presente. Por outro lado, precisamos de solidão para criar, e de tempo para viver. Então, é importante equilibrar este contato com os leitores com as prioridades da vida (que são, no meu caso, a convivência familiar, a minha profissão como advogado e a literatura). 9. O ofício da escrita é bastante solitário e silencioso – em oposição ao trabalho de lançamento da obra, onde o autor fica em contato com dezenas de pessoas, participa de eventos, concede autógrafos e entrevistas. Como você contrabalança a solidão e o silêncio da escrita com a superexposição do lançamento? Não me exponho tanto em feiras literárias. Quando lanço livros, há a noite de autógrafos (que não me toma muito tempo). Além disso, os encontros presenciais que faço com leitores geralmente ocorrem em ambientes menores, mais intimistas. Não são tão frequentes assim. Quanto à solidão, ela é um ingrediente indispensável à literatura. Como dizia Goethe: “O caráter se forja na multidão, o talento na solidão”. Logo, tento reservar um tempo diariamente para a literatura (seja para ler um bom livro, seja para escrever um pouco). Claro, nem todo dia consigo. A vida tem suas limitações. 10. Que livro você está lendo neste exato momento? E qual livro você sempre relê? Acabei recentemente a leitura de “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert, que li juntamente com “A orgia perpétua”, de Mario Vargas Llosa (um ensaio sobre “Madame Bovary”, e a vida de seu autor). Agora, estou no início do livro “Doutor Fausto”, de Thomas Mann. Sempre releio Fernando Pessoa, principalmente o poema “Tabacaria”. Quando estou desanimado, releio também um trecho do livro “A correspondência de Fradique Mendes”, de Eça de Queiróz. Releio o capítulo que fala sobre o personagem Pacheco. Gosto de ler também, com frequência, os sermões do Padre Antônio Vieira. 11. E para encerrar, já existe outro livro em incubação, Paulo? Caso sim, fale sobre ele. Sim. Será um romance policial. Há alguns meses comecei a escrever o roteiro do livro. No momento, estou lapidando os personagens, os motivos e os álibis de cada um, detalhando o enredo, tentando conectar os laços ainda soltos na sua coerência interna....Quando acabar o roteiro, no ano que vem, começarei a redigir os capítulos. Até lá, tomara que eu já esteja bem familiarizado com o Scrivener. Pelo que me disseram e pelo que li, estou convencido que este software facilita bastante o trabalho do escritor. Enfim, espero finalizar o livro até o ano de 2.020. 12. Bate-Bola • Livro: “Os irmãos Karamazóv”, de Fiodor Dostoiésvki • Escritor(a): Vou prestigiar um brasileiro. Nelson Rodrigues. • Vício: Comida • Poesia: Fernando Pessoa e os sonetos de Camões • Ídolo: Winston Churchill • Música: My way • Trabalho: Advocacia e literatura, amo as duas profissões • Paixão: Minha família • Indignação: A violência • Fé: Sou católico • Literatura: Meu caso extraconjugal • Desconforto: A precariedade da vida • Inesquecível: O nascimento dos meus dois filhos